sexta-feira, 27 de junho de 2008

oxum

MÃE OXUM



Oxum é o Trono Natural irradiador do Amor Divino e da Concepção da Vida em todos os sentidos. Como "Mãe da Concepção" ela estimula a união matrimonial, e como Trono Mineral ela favorece a conquista da riqueza espiritual e a abundância material.

A Orixá Oxum é o Trono Regente do pólo magnético irradiante da linha do Amor e atua na vida dos seres estimulando em cada um os sentimentos de amor, fraternidade e união.

Seu elemento é o mineral e, junto com Oxumaré, forma toda uma linha vertical cujas vibrações, magnetismo e irradiações planetárias multidimencionais atuam sobre os seres e os estimula ou paralisa. Em seus aspectos positivos, ela estimula os sentimentos de amor e acelera a união e a concepção.

Não vamos comentar seus aspectos negativos ou punidores dos seres que desvirtuam os princípios do amor ou da concepção.

Na Coroa Divina, a Orixá Oxum e o Orixá Oxumaré surgem a partir da projeção do Trono do Amor, que é regente do sentido do Amor.

Oxum assume os mistérios relacionados à concepção de vidas porque o seu elemento mineral atua nos seres estimulando a união e a concepção.

A energia mineral está presente em todos os seres e também está presente em todos os vegetais. E por isto Oxum também está presente na linha do Conhecimento, pois sua energia cria a "atração" entre as células vegetais carregadas de elementos minerais. Já em nível mental, a atuação pelo conhecimento é uma irradiação carregada de essências minerais ou de sentimentos típicos de Oxum, a concepção em si mesma.

A água doce, por estar sobrecarregada de energia mineral, é um dos principais "alimentos" dos vegetais. Logo, Oxum está tão presente nas matas de Oxóssi quanto na terra de Obá, que são os dois Orixás que pontificam a linha vertical (irradiação) do Conhecimento. A Senhora Oxum do Conhecimento é uma Oxum vegetal pois atua nos seres como imantadora do desejo de aprender.

Saibam que a ciência dos Orixás é tão vasta quanto divina, e está na raiz de todo o saber, na origem de todas as criações divinas e na natureza de todos os seres. É na ciência dos Orixás que as lendas se fundamentam, e não o contrário.



OFERENDA:
Velas brancas, azuis e amarelas; flores, frutos e essência de rosas; champagne e licor de cereja, tudo depositado ao pé de uma cachoeira.



TRECHOS EXTRAÍDOS DO LIVRO "O CÓDIGO DE UMBANDA" DE RUBENS SARACENI

oxossi

PAI OXÓSSI


Oxóssi é o caçador por excelência, mas sua busca visa o conhecimento. Logo, é o cientista e o doutrinador, que traz o alimento da fé e o saber aos espíritos fragilizados tanto nos aspectos da fé quanto do saber religioso.

O Orixá Oxóssi é tão conhecido que quase dispensa um comentário. Mas não podemos deixar de fazê-lo, pois falta o conhecimento superior que explica o campo de atuação das hierarquias deste Orixá regente do pólo positivo da linha do Conhecimento.

O fato é que o Trono do Conhecimento é uma divindade assentada na Coroa Divina, é uma individualizaçã o do Trono das Sete Encruzilhadas e em sua irradiação cria os dois pólos magnéticos da linha do Conhecimento. O Orixá Oxóssi rege o pólo positivo e a Orixá Obá rege o pólo negativo.

Oxóssi irradia o conhecimento e Obá o concentra.

Oxóssi estimula e Obá anula.

Oxóssi vibra conhecimento e Obá absorve as irradiações desordenadas dos seres regidos pelos mistérios do Conhecimento.

Oxóssi é vegetal e Obá é telúrica.

Oxóssi é de magnetismo irradiante e Obá é de magnetismo absorvente.

Oxóssi está nos vegetais e Obá está em sua raiz, como a terra fértil onde eles crescem e se multiplicam.

Oxóssi é o raciocínio hábil e Obá é o racional concentrador.



OFERENDA:
Velas brancas, verdes e rosa; cerveja, vinho doce e licor de caju; flores do campo e frutas variadas, tudo depositado em bosques e matas.



TRECHOS EXTRAÍDOS DO LIVRO "O CÓDIGO DE UMBANDA" DE RUBENS SARACENI

xangô

PAI XANGÔ


Xangô é o Orixá da Justiça e seu campo preferencial de atuação é a razão, despertando nos seres o senso de equilibrio e eqüidade, já que só conscientizando e despertando para os reais valores da vida a evolução se processa num fluir contínuo.


Comentar sobre o Orixá Xangô é dispensável pois é muito conhecido dos praticantes de Umbanda. Logo, nos limitamos a comentar alguns de seus aspectos.

O Trono Regente Planetário se individualiza nos Sete Tronos Essenciais, que projetam-se energética, magnética e vibratóriamente e criam sete linhas de forças ou irradiações bipolarizadas, pois surgem dois pólos diferenciados em positivo e negativo, irradiante e absorvente, ativo e passivo, masculino e feminino, universal e cósmico.

Uma dessas projeções é a do Trono da Justiça Divina que, ao irradiar-se, cria a linha de forças da Justiça, pontificada por Xangô e Egunitá (divindade natural cósmica do Fogo Divino).

Na linha elemental da Justiça, ígnea por excelência, Xangô e Egunitá são os pólos magnéticos opostos. Por isto eles se polarizam com a linha da Lei, que é eólica por excelência.

Logo, Xangô polariza-se com a eólica Iansã e Egunitá polariza-se com o eólico Ogum, criando duas linhas mistas ou linhas regentes do Ritual de Umbanda Sagrada.

O Orixá Xangô é o Trono Natural da Justiça e está assentado no pólo positivo da linha do Fogo Divino, de onde se projeta e faz sugir sete hierarquias naturais de nível intermediário, pontificadas pelos Xangôs regentes dos pólos e níveis vibratórios intermediários da linha de forças da Justiça Divina

Èstes sete Xangôs são Orixás Naturais; são regentes de níveis vibratórios; são multidimencionais e são irradiadores das qualidades, dos atributos e das atribuições do Orixá maior Xangô.

Eles aplicam os aspectos positivos da justiça divina nos níveis vibratórios positivos e polarizam-se com os Xangôs cósmicos, que são os aplicadores dos aspéctos negativos da justiça divina. Como, na Umbanda, quem lida com os regentes desses aspectos são os Exus e as Pomba-giras, então não vamos comentá-los e nos limitaremos aos regentes dos pólos positivos intermediários, que formam suas hierarquias de Orixás Intermediadores, que pontificam, na Umbanda, as linhas de trabalhos espirituais.

Estes Xangôs intermediários, tal como todos os Orixás Intermediários, possuem nomes mântricos que não podem ser abertos ao plano material. Muitos os chamam de Xangô da Pedra Branca, Xangô Sete Pedreiras, Xangô dos Raios, Xangô do Tempo, Xangô da Lei, etc. Enfim, são nomes simbólicos para os mistérios regidos pelos Orixás Xangôs intermediários. Só que quem usa estes nomes simbólicos não são os regentes dos pólos magnéticos da linha da Justiça, e sim os seus intermediadores, que foram "humanizados" e regem linhas de caboclos que manifestam-se no Ritual de Umbanda Sagrada comandando as linhas de trabalhos de ação e de reação. Eles são os aplicadores "humanos" dos aspectos positivos da Justiça Divina.



OFERENDA:
Velas brancas, vermelhas e marrom; cerveja escura, vinho tinto doce e licor de ambrosia; flores diversas, tudo depositado em uma cachoeira, montanha ou pedereira.



TRECHOS EXTRAÍDOS DO LIVRO "O CÓDIGO DE UMBANDA" DE RUBENS SARACENI

ogum

PAI OGUM


Ogum é o Orixá da Lei e seu campo de atuação é a linha divisória entre a razão e a emoção. É o Trono Regente das milícias celestes, guardiãs dos procedimentos dos seres em todos os sentidos.


Ogum é sinônimo de lei e ordem e seu campo de atuação é a ordenação dos processos e dos procedimentos.

O Trono da Lei é eólico e, ao projetar-se, cria a linha pura do ar elemental, já com dois pólos magnéticos ocupados por Orixás diferenciados em todos os aspectos. O pólo magnético positivo é ocupado por Ogum e o pólo negativo é ocupado por Iansã.

Esta linha eólica pura dá sustentação a milhões de seres elementais do ar, até que eles estejam aptos a entrar em contato com um segundo elemento. Uns têm como segundo elemento o fogo, outros têm na água seu segundo elemento, etc.

Portanto, na linha pura do "ar elemental" só temos Ogum e Iansã como regentes.

Mas se estes dois Orixás são aplicadores da Lei (porque sua natureza é ordenadora), então eles se projetam e dão início às suas hierarquias naturais, que são as que nos chegam através da Umbanda.

Os Orixás regentes destas hierarquias de Ogum e Iansã são Orixás Intermediários ou regentes dos níveis vibratórios da linha de forças da Lei.

Saibam que Oxalá tem sete Orixás Intermediários positivos e tem outros sete negativos, que são seus opostos, e tem sete Orixás neutros; Oxum tem sete Orixás intermediárias positivas e tem outras sete negativas, que são suas opostas; Oxóssi tem sete Orixás intermediários positivos, sete negativos, que são seus opostos, e tem sete outros que formam uma hierarquia vegetal neutra e fechada ao conhecimento humano material; Xangô tem sete Orixás intermediários positivos e tem sete negativos, que são seus opostos. E o mesmo acontece com Obaluayê e Yemanjá.

Agora, Ogum e Iansã são os regentes do mistério "Guardião" e suas hierarquias não são formadas por Orixás opostos em níveis vibratórios e pólos magnéticos opostos, como acontece com outros. Não, senhores!

Ogum e Iansã formam hierarquias verticais retas ou seqüenciais, sem quebra de "estilo" , pois todos os Oguns, sejam os regentes dos pólos positivos, dos neutros ou tripolares, ou dos negativos, todos atuam da mesma forma e movidos por um único sentido: aplicadores da Lei!

Todo Ogum é aplicador natural da Lei e todos agem com a mesma inflexibilidade, rigidez e firmeza, pois mão se permitem uma conduta alternativa.

Onde estiver um Ogum, lá estarão os olhos da Lei, mesmo que seja um "caboclo" de Ogum, avesso às condutas liberais dos freqüentadores das tendas de Umbanda, sempre atento ao desenrolar dos trabalhos realizados, tanto pelos médiuns quanto pelos espíritos incorporadores.

Dizemos que Ogum é, em si mesmo, os atentos olhos da Lei, sempre vigilante, marcial e pronto para agir onde lhe for ordenado.



OFERENDA:
Velas brancas, azuis e vermelhas; cerveja, vinho tinto licoroso; flores diversas e cravos, depositados nos campos, caminhos, encruzilhadas, etc.



TRECHOS EXTRAÍDOS DO LIVRO "O CÓDIGO DE UMBANDA" DE RUBENS SARACENI

OBALUAIYÊ

PAI OBALUAIYÊ



Obaluaiê é o Orixá que atua na Evolução e seu campo preferencial é aquele que sinaliza as passagens de um nível vibratório ou estágio da evolução para outro.

O Orixá Obaluaiyê é o regente do pólo magnético masculino da linha da Evolução, que surge a partir da projeção do Trono Essencial do Saber ou Trono da Evolução.

O Trono da Evolução é um dos sete Tronos Essenciais que formam a Coroa Divina regente do planeta, e em sua projeção faz surgir, na Umbanda, a linha da Evolução, em cujo pólo magnético positivo, amsculino e irradiante, está assentado o Orixá Natural Obaluaiyê, e em cujo pólo magnético negativo, feminino e absorvente está assentada a Orixá Nanã Buruquê. Ambos são Orixás de magnetismo misto e cuidam das passagens dos estágios evolutivos.

Ambos são Orixás terra-água (magneticamente, certo?). Obaluaiyê é ativo no magnetismo telúrico e passivo no magnetismo aquático. Nanã é ativa no magnetismo aquático e passiva no magnetismo telúrico. Mas ambos atuam em total sintonia vibratória, energética e magnética. E onde um atua passivamente, o outro atua ativamente.

Nanã decanta os espíritos que irão reencarnar e Obaluaiyê estabelece o cordão energético que une o espírito ao corpo (feto), que será recebido no útero materno assim que alcançar o desenvolvimento celular básico (orgãos físicos).

É o mistério "Obaluaiyê" que reduz o corpo plasmático do espírito até que fique do tamanho do corpo carnal alojado no útero materno. Nesta redução (que é um mistério de Deus regido por Obaluaiyê), o espírito assume todas as características e feições do seu novo corpo carnal, já formado.

Muitos associam o divino Obaluaiyê apenas com o Orixá curador, que ele realmente é, pois cura mesmo! Mas Obaluaiyê é muito mais do que já o descreveram. Ele é o "Senhor das Passagens" de um plano para outro, de uma dimensão para outra, e mesmo do espírito para a carne e vice-versa.

Já seus pólos magneticos negativos, que são os que aplicam seus aspectos negativos, estes não descreveremos porque a Umbanda não lida com os aspectos negativos dele.

Esperamos que os umbandistas deixem de temê-lo e passem a amá-lo e adorá-lo pelo que ele realmente é: um Trono Divino que cuida da evolução dos seres, das criaturas e das espécies, e que esqueçam as abstrações dos que se apegaram a alguns de seus aspectos negativos e os usam para assustar seus semelhantes.

Estes manipuladores dos aspectos negativos do Orixá Obaluaiyê certamente conhecerão os Orixás Cósmicos que lidam com o negativo dele. Ao contrário dos tolerantes Exus da Umbanda, estes Obaluaiyês Cósmicos são intolerantes com quem invoca os aspectos negativos do Orixá Maior Obaluaiyê para atingir seus semelhantes. E o que tem de supostos "pais de Santo" apodrecendo nos seus pólos magnéticos negativos só porque deram mau uso aos aspectos negativos de Obaluaiyê... Bem, deixemos que eles mesmos cuidem de suas lepras emocionais. Certo?



OFERENDA:

Velas brancas; vinho rosé licoroso, água potável; côco fatiado coberto com mel e pipocas; rosas, margaridas e crisântemos, tudo depositado no cruzeiro do cemitério, à beira-mar ou à beira de um lago.



TRECHOS EXTRAÍDOS DO LIVRO "O CÓDIGO DE UMBANDA" DE RUBENS SARACENI
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teologia

Oferendas e pontos de força da natureza

...Nossos amados Orixás são Divindades que irradiam as qualidades do criador e podemos encontra-los em tudo e em todos os lugares com maior ou menor intensidade. Sobre os locais da natureza onde predomina certo Orixá costumamos dizer que pertence a ele, ou seja, é sitio consagrado, templo natural e ainda ponto de força da natureza.
...Vamos a um exemplo : a irradiação mineral e o amor de nossa amada Mamãe Oxum predominam nas cachoeiras, estabelecendo um contato, como que um portal, com as dimensões regidas por esta Mãe e onde estagiam milhões de elementais, encantadas da natureza e naturais (muitas destas encantadas e naturais são exatamente as "Oxuns" que incorporam em nossos terreiros de Umbanda).
...O fato é que quando estamos carentes neste sentido , precisando harmonizar com esta vibração, nos dirigimos à cachoeira de frente para a Mãe e fazemos religiosamente a nossa oferenda. No lado astral, somos recebidos com todo o amor que uma Mãe pode ter com seu filho, uma encantada "recolhe" nossa oferenda, recebe licença para ali atuar em nós visando o reequilibro e por um mistério Divino recebemos ali as bênçãos da Mãe Maior Oxum .
...Também podemos notar a presença de um Ogum e uma Iansã das cachoeiras como guardiões deste ponto de força bem como os intermediários dos outros Orixás para com Oxum desempenhando suas tarefas junto a este templo natural.
...Outras vezes ainda nos dirigimos a tais sítios consagrados afim de colaborarmos de maneira ativa com a captação de certos axés por parte dos espíritos guias que nos assistem em nossos "trabalhos".
...Da mesma forma acontece com os demais Pais e Mães, onde podemos citar seus pontos de força:
...Oxalá - pode ser oferendado em todos os sítios da natureza , costumamos dar preferência a campos abertos e floridos ou mirantes onde se costumam erigir as estátuas de Jesus Cristo;
...Oxum e Oxumarê - cachoeiras ;
...Oxóssi - matas ;
...Obá - matas e em contato com a terra;
...Xangô - montanhas ou pedreiras (montanhosas) ;
...Iansã - pedreiras;
...Ogum - caminhos;
...Obaluaiyê e Omulú - cemitérios ;
...Yemanjá - mar ;
...Cosme e Damião - nos parques , praças ou cachoeiras;
...Oiá - em qualquer lugar aberto no "tempo" .
...Isto não quer dizer que não possam ser oferendados em outros lugares, certo? Por exemplo se tenho um Ogum Megê como Orixá individual a me amparar , posso oferenda-lo no cemitério já que Ogum Megê e Iansã de Bale são também guardiões do campo santo, fora isso ouça e confie no seu guia , se ele manda oferendar Omulu na frente do mar está certíssimo, se manda entregar uma maçã e uma vela para determinado Orixá em um lugar que não imaginava, não pense duas vezes eles sabem muito mais do que nós (claro são nossos guias) e o pouco que conhecemos aprendemos com eles.

TEXTO EXTRAÍDO DO JUS – JORNAL DE UMBANDA SAGRADA (Alexandre Cumino)

xangô

Xangô, Rei de Oió

Reginaldo Prandi
Armando Vallado
I: O obá Xangô
Obá é palavra da língua iorubá que designa rei. Obá é também um dos epítetos do orixá Xangô (não confundir Obá, rei, soberano ( oba ), com o orixá Obá ( Ò ), que é uma das esposas de Xangô). Segundo a mitologia, Xangô teria sido o quarto rei da cidade de Oió, que foi o mais poderoso dos impérios iorubás. Depois de sua morte, Xangô foi divinizado, como era comum acontecer com os grandes reis e heróis daquele tempo e lugar, e seu culto passou a ser o mais importante da sua cidade, a ponto de o rei de Oió, a partir daí, ser o seu primeiro sacerdote.
Não existem registros históricos da vida de Xangô na Terra, pois os povos africanos tradicionais não conheciam a escrita, mas o conhecimento do passado pode ser buscado nos mitos, transmitidos oralmente de geração a geração. Assim, a mitologia nos conta a história de Xangô, que começa com o surgimento dos povos iorubás e sua primeira capital, Ilê-Ifé, fala da fundação de Oió e narra os momentos cruciais da vida de Xangô:
“Num tempo muito antigo, na África, houve um guerreiro chamado Odudua, que vinha de uma cidade do Leste, e que invadiu com seu exército a capital de um povo então chamado ifé. Quando Odudua se tornou seu governante, essa cidade foi chamada Ilê-Ifé. Odudua teve um filho chamado Acambi, e Acambi teve sete filhos, e seus filhos ou netos foram reis de cidades importantes. A primeira filha deu-lhe um neto que governou Egbá, a segunda foi mãe do Alaqueto, o rei de Queto, o terceiro filho foi coroado rei da cidade de Benim, o quarto foi Orungã, que veio a ser rei de Ifé, o quinto filho foi soberano de Xabes, o sexto, rei de Popôs, e o sétimo foi Oraniã, que foi rei da cidade Oió, mais tarde governada por Xangô.
“Esses príncipes governavam as cidades que mais tarde foram conhecidas como os reinos que formam a terra dos iorubás, e todos pagavam tributos e homenagens a Odudua. Quando Odudua morreu, os príncipes fizeram a partilha dos seus domínios, e Acambi ficou como regente do reino de Odudua até sua morte, embora nunca tenha sido coroado rei. Com a morte de Acambi, foi feito rei Oraniã, o mais jovem dos príncipes do império, que tinha se tornado um homem rico e poderoso. O obá Oraniã foi um grande conquistador e consolidou o poderio de sua cidade.
“Um dia Oraniã levou seus exércitos para combater um povo que habitava uma região a leste do império. Era uma guerra muito difícil, e o oráculo o aconselhou a ficar acampado com os seus guerreiros num determinado sítio por um certo tempo antes de continuar a guerra, pois ali ele haveria de muito prosperar. Assim foi feito e aquele acampamento a leste de Ifé tornou-se uma cidade poderosa. Essa próspera povoação foi chamada cidade de Oió e veio a ser a grande capital do império fundado por Odudua. O rei de Oió tinha por título Alafim, termo que quer dizer o Senhor do Palácio de Oió.
“Com a morte de Oraniã, seu filho Ajacá foi coroado terceiro Alafim de Oió. Ajacá, que tinha o apelido de Dadá, por ter nascido com o cabelo comprido e encaracolado, era um homem pacato e sensível, com pouca habilidade para a guerra e nenhum tino para governar. Dadá-Ajacá tinha um irmão que fora criado na terra dos nupes, também chamados tapas, um povo vizinho dos iorubás. Era filho de Oraniã com a princesa Iamassê, embora haja quem diga que a mãe dele foi Torossi, filha de Elempê, o rei dos nupes. Esse filho de Oraniã tinha o nome Xangô, e era o grande guerreiro que governava Cossô, pequena cidade localizada nas cercanias da capital Oió.
“Xangô um dia destronou o irmão Ajacá-Dadá, e o exilou como rei de uma pequena e distante cidade, onde usava uma pequena coroa de búzios, chamada coroa de Baiani.
“Xangô foi assim coroado o quarto Alafim de Oió, o obá da capital de todas as grandes cidades iorubás.
“Xangô procurava a melhor forma de governar e de aumentar seu prestígio junto ao seu povo. Conta-se que, para fortalecer seu poder, Xangô mandou trazer da terra dos baribas um composto mágico, que acabaria, contudo, sendo sua perdição. O rei Xangô, que depois seria conhecido pelo cognome de o Trovão, sempre procurava descobrir novas armas para com elas conquistar novos territórios. Quando não fazia a guerra, cuidava de seu povo. No palácio recebia a todos e julgava suas pendências, resolvendo disputas, fazendo justiça. Nunca se quietava. Pois um dia mandou sua esposa Iansã ir ao reino vizinho dos baribas e de lá trazer para ele a tal poção mágica, a respeito da qual ouvira contar maravilhas. Iansã foi e encontrou a mistura mágica, que tratou de transportar numa cabacinha.
“A viagem de volta era longa, e a curiosidade de Iansã sem medida. Num certo momento, ela provou da poção e achou o gosto ruim. Quando cuspiu o gole que tomara, entendeu o poder do poderoso líquido: Iansã cuspiu fogo!
“Xangô ficou entusiasmadíssimo com a nova descoberta. Se ele já era o mais poderoso dos homens, imaginem agora, que tinha a capacidade de botar fogo pela boca. Que inimigo resistiria? Que povo não se submeteria? Xangô então passou a testar diferentes maneiras de usar melhor a nova arte, que certamente exigia perícia e precisão.
“Num desses dias, o obá de Oió subiu a uma elevação, levando a cabacinha mágica, e lá do alto começou a lançar seus assombrosos jatos de fogo. Os disparos incandescentes atingiam a terra chamuscando árvores, incendiando pastagens, fulminando animais. O povo, amedrontado, chamou aquilo de raio. Da fornalha da boca de Xangô, o fogo que jorrava provocava as mais impressionantes explosões. De longe, o povo escutava os ruídos assustadores, que acompanhavam as labaredas expelidas por Xangô. Aquele barulho intenso, aquele estrondo fenomenal, que a todos atemorizava e fazia correr, o povo chamou de trovão.
“Mas, pobre Xangô, a sorte foi-lhe ingrata. Num daqueles exercícios com a nova arma, o obá errou a pontaria e incendiou seu próprio palácio. Do palácio, o fogo se propagou de telhado em telhado, queimando todas as casas da cidade. Em minutos, a orgulhosa cidade de Oió virou cinzas.
“Passado o incêndio, os conselheiros do reino se reuniram, e eviaram o ministro Gbaca, um dos mais valentes generais do reino, para destituir Xangô.
Gbaca chamou Xangô à luta e o venceu, humilhou Xangô e o expulsou da cidade. Para manter-se digno, Xangô foi obrigado a cometer suicídio. Era esse o costume antigo. Se uma desgraça se abatia sobre o reino, o rei era sempre considerado o culpado. Os ministros lhe tiravam a coroa e o obrigavam a tirar a própria vida.
“Cumprindo a sentença imposta pela tradição, Xangô se retirou para a floresta e numa árvore se enforcou.
"Oba so!", "Oba so!"
"O rei se enforcou!", correu a notícia.
“Mas ninguém encontrou seu corpo e e logo correu a notícia, alimentada com fervor pelos seus partidários, que Xangô tinha sido transformado num orixá. O rei tinha ido para o Orum, o céu dos orixás. Por todas as partes do império os seguidores de Xangô proclamavam:
"Oba ko so!", que quer dizer "O rei não se enforcou!"
"Oba ko so!", "Oba ko so!".
“Desde então, quando troa o trovão e o relâmpago risca o céu, os sacerdotes de Xangô entoam: "O rei não se enforcou!" "Oba ko so! Obá Kossô!" "O rei não se enforcou".”
(Cf. Prandi, Mitologia dos orixás.)
Assim narram os mitos, e a morte de Xangô nada mais é do que a afirmação dos antigos costumes africanos. Sua morte teria sido injusta e por isso o Orum o acolheu como imortal. A expressão “Obá Ko so” é evidentemente dúbia. Tanto pode significar “Rei da cidade de Cossô”, o que de fato Xangô também era, como “O rei não se enforcou”, frase que poderia ser também traduzida por “O Rei vive”, ou “Viva o Rei”, forma que é mais comum na nossa tradição ocidental. A versão verdadeira não importa: divinizado, transformado em orixá, o obá Xangô, o Alafim de Oió, alcançou a imortalidade, deixou de ser humano, virou deus. “Obá Kossô”, “Viva o Rei” é a fórmula pela qual, até hoje, em todos os templos dos orixás, é glorificado o nome de Xangô, o rei de Oió, o orixá do trovão, senhor da justiça.
De todos os orixás que marcam a saga da cidade de Oió, nenhum foi mais reverenciado que Xangô, mesmo quando Oió passou a ser apenas um símbolo esfumaçado na memória dos atuais seguidores das religiões dos orixás espalhados nos mais distantes países da diáspora africana do lado de cá e do lado de lá do oceano. E há muitos elementos para estribar essa afirmação.
II: Xangô no Novo Mundo
No seu auge, o império de Oió englobava as mais importantes cidades do mundo iorubá, tendo assim o culto a Xangô, que era o orixá do rei ou obá de Oió, portanto o orixá do império, sido difundido por todo o território iorubano, o que não era muito comum, pois cada cidade ou região tinha os seus próprios orixás tutelares e poucos eram os que recebiam culto nas mais diversas cidades, como Exu, Ossaim e Orunmilá. O fato é que o apogeu da dominação da cidade de Oió sobre as outras resultou numa grande difusão do culto a Xangô. Durante muito tempo a força militar de Oió protegeu os iorubás de invasões inimigas e impediu que seu povo fosse caçado e vendido por outros africanos ao tráfico de escravos destinado ao Novo Mundo, como acontecia com outros povos da África.
Quando o poderio de Oió foi destruído no final do século XVIII por seus inimigos, tanto a capital Oió como as demais cidades do império desmantelado ficaram totalmente desprotegidas, e os povos iorubás se transformaram em caça fácil para o mercado de escravos. Foi nessa época que o Brasil, assim como outros países americanos, passou a receber escravos iorubás em grande quantidade. Vinham de diferentes cidades, traziam diferentes deuses, falavam dialetos distintos, mas tinham todos algo em comum: o culto ao deus do trovão, o obá de Oió, o orixá Xangô.
Isso explica a enorme importância que Xangô ocupa nas religiões africanas nas Américas, pois foi exatamente nesse momento histórico da chegada dos iorubás que as religiões africanas se constituíram nas Américas, isto é, no século XIX. Particularmente no Brasil, os escravos recém-chegados eram trazidos não mais para o trabalho nas plantações e nas minas do interior, onde ficavam dispersos, mas sim nas cidades, onde eram encarregados de fazer todo o tipo de serviço urbano, morando longe de seus proprietários, vivendo em bairros com grande concentração de negros escravos e libertos, e tendo assim maior liberdade de movimento e organização, podendo se reunir nas irmandades católicas, com novas e amplas oportunidades para recriarem aqui a sua religião africana.
Nascido da iniciativa de negros iorubás que se reuniam numa irmandade religiosa na igreja da Barroquinha, em Salvador, o primeiro templo iorubá da Bahia foi, emblematicamente, dedicado a Xangô. Seus ritos, que em grande parte reproduziam a prática ritualística de Oió, acabaram por moldar a religião que viria a se constituir no candomblé, e cuja estruturação hierárquica sacerdotal em grande parte reconstituía simbolicamente a organização da corte de Oió, isto é, a corte de Xangô, como veremos adiante. Emblemas que na África eram exclusivos do culto a Xangô foram generalizados entre nós para o culto de todos os orixás, como o uso do colar ritual de iniciação chamado quelê.
Por estranha ironia, a nação de Xangô na Bahia acabou recebendo o nome de Queto, que é a cidade de Oxóssi, e não o nome de Oió, cidade de Xangô, como era de se esperar. Mas essa denominação deve ter ocorrido muito tempo depois da fundação da Casa Branca do Engenho Velho, o primeiro terreiro de Xangô, de cujo chão Oxóssi é o dono, e que serviu de modelo a todo o candomblé. A denominação nação queto deve ter se dado já no século XX, quando angariavam grande prestígio e visibilidade dois terreiros que também fazem parte do núcleo de templos fundantes do candomblé: o terreiro do Gantois, dissidente da Casa Branca, e dedicado a Oxóssi, que era o orixá da cidade do Queto, e o terreiro do Alaketu, cuja fundação é atribuída a duas princesas originárias da cidade do Queto, e que também eram do grupo da Barroquinha. A expressão “nação queto” para designar o ramo do candomblé de origem iorubá que se constituiu a partir da linhagem da Casa Branca do Engenho Velho é recente e não era usada antes de 1950. O nome mais comum era nação nagô, ou jeje-nagô. A própria Mãe Aninha, que fundou outro templo dissidente da Casa Branca, o Axé Opô Afonjá, e que, como o próprio nome indica, também é dedicado a Xangô, costumava dizer nos anos 1930: “Minha casa é nagô puro”.
Mas no Rio Grande do Sul, até hoje a expressão “nação Oió”, ou “Oió-ijexá” designa os terreiros de batuque de origem iorubá. A marca de Xangô continua ali muito presente.
Em Pernambuco, a primazia de Xangô acabou por dar nome a toda a religião dos orixás, que naquele e em outros estados do Nordeste é conhecida como xangô.
No Maranhão, dois templos de tradições diferentes disputam o posto de casa fundante do tambor-de-mina: a Casa das Minas, de culto exclusivo aos voduns dos povos fons ou jejes, e a Casa de Nagô, que, como o próprio nome aponta, dedica-se ao culto dos orixás, os deuses nagôs ou iorubás, além de cultuar também voduns e encantados. Ao contrário da Casa das Minas, que não teve terreiros descendentes e hoje se encontra em franco processo de extinção, a Casa de Nagô é a origem de vasta linhagem de terreiros, que se espalharam pelo Maranhão e Pará e chegaram até o Rio de Janeiro e São Paulo, ou mais além. A Casa das Minas de Tóia Jarina, de Diadema, é originária dessa matriz. Pois o patrono da Casa de Nagô não é outro senão Badé, nome pelo qual Xangô é reverenciado nos templos do tambor-de-mina.
Longe daqui, no Caribe, a palavra xangô também dá nome à religião dos orixás praticada em Trinidad-Tobago, nome que também pode ser observado entre populações americanas de origem caribenha na costa Atlântica do sul dos Estados Unidos.
Em Cuba, onde a santeria é tão viva e diversificada como o candomblé brasileiro, são muitos os indícios da supremacia ritual de Xangô. Talvez o mais emblemático seja o fato de que, durante a iniciação ritual, apenas os sacerdotes dedicados a Xangô, segundo a tradição cubana, têm o privilégio sobre todos os demais de receber na cabeça o sangue sacrificial, o que indicaria que o orixá do trovão tem precedência protocolar, e seu tambor é o mais sagrado instrumento musical da santeria.
Onde quer que tenha se formado alguma manifestação americana da religião dos orixás, seja o candomblé, o xangô, o batuque, o tambor-de-mina, a santeria cubana, ou o xangô caribenho, a memória do orixá Xangô, o obá de Oió, manteve o realce que o orixá do império detinha na África. Como obá, Xangô também era o mais alto magistrado de seu povo, o juiz supremo. Sua relação com o ministério da justiça fez dele, entre os seguidores das religiões dos orixás, o senhor da justiça. Num mundo de tantas injustiças, desigualdades sociais, marginalização, abandono e falta de oportunidades sociais de todo tipo, como este em que vivemos, o orixá da justiça ganhou cada vez maior importância. Seu prestígio foi consolidado. Reiterou-se a posição de Xangô como o grande patrono do candomblé e grande protetor de todo aquele que se sente de algum modo injustiçado.
III: A corte do rei
A importância de Xangô na constituição do candomblé, que é brasileiro, pode ser identificada também quando examinamos as estruturas hierárquicas e a organização dos papéis sacerdotais do candomblé em comparação com o ordenamento dos cargos da própria corte de Oió, a cidade de Xangô. Não há dúvida que as sacerdotisas e sacerdotes que fundaram os primeiros templos de orixá no Brasil tinham grande intimidade com as estruturas de poder que governavam a cidade do Alafim. O candomblé é, de fato, uma espécie de memória em miniatura da cidade africana que o negro perdeu ao ser arrancado de seu solo para ser escravizado no Brasil.
Vejamos alguns dos cargos mais importantes da corte de Oió e sua correspondência com a hierarquia do candomblé de nação nagô.
Basorun – primeiro ministro e presidente do conselho real, que tinha mais poder que o próprio rei, exercendo também a função de regente quando da morte do rei até a ascensão do sucessor. No candomblé é título dado a homem que ajuda na administração do terreiro, um dos membros do corpo de ministros em terreiros dedicados a Xangô.
Alààpínní – chefe do culto de egungum. No Brasil, igualmente alto sacerdote do culto dos ancestrais.
Balògún – chefe militar. No candomblé, cargo masculino de chefia da casa de Ogum. O falecido oluô Agenor Miranda Rocha, foi, por mais de 70 anos, o balogum da Casa Branca do Engenho Velho.
Lágùnnòn – embaixador do rei que tinha como encargo o culto ao orixá Ocô, divindade da agricultura. No candomblé, espécie de ajudante do pai-de-santo na provisão do terreiro.
Akinikú – chefe dos rituais fúnebres. No Brasil, oficial do axexê, que pode ser um babalorixá ou ialorixá ou algum ebômi ou ogã especializado nos ritos mortuários.
Asípa – representante dos governadores das aldeias na corte de Oió e encarregado do culto ao orixá Ogum. No Brasil, dignidade masculina.
Isugbin – corpo de tocadores e musicistas do palácio. No candomblé são chamados alabês, nome que na África era dado aos escarificadores, os que faziam os aberês, as marcas faciais identificadoras da origem.
Ìlàrí – corpo de guardas da corte e de mulheres. Adoradores de Oxóssi e Ossaim, eram também uma espécie de mensageiros e provedores reais. No candomblé, sacerdotes que cuidam da casa de Ossaim.
Èkejì òrìsà – literalmente, a segunda pessoa do orixá, cargo sacerdotal da corte do Alafim, sacerdotisa que não incorpora o orixá, mas que cuida de seus objetos sagrados. No candomblé, equede, todas mulher não-rodante confirmada para cuidar do orixá em transe e de seus pertences rituais. O cargo, elevado na África, deu às equedes posição de relevo também no candomblé, onde têem o grau de senioridade.
Ìyá-nàsó – mãe do culto do Xangô do rei (divindade pessoal). No Brasil, nome de uma das fundadoras do candomblé e título feminino.
Ìyáalémonlé – encarregada de cuidar do assentamento pessoal do rei. Entre nós, quem cuida do assentamento principal do pai-de-santo.
Ìyá-lé-òrí – mãe dos ritos de oferecimento a cabeça do rei, mantém a representação material da cabeça do rei em sua casa. No candomblé preside o bori.
Ìyá mondè ou bàbá – Mulher que cultua os espíritos dos reis mortos. Chamam-na também de Bàbá. O alafim dirige-se a ela como “pai”, pois elas detêm a autoridade do “pai”, como as dirigentes da umbanda brasileira, também chamadas de babá.
Ìyá-le-agbò – prepara os banhos rituais do rei. No candomblé, mulher que cuida dos potes de amassi.
Ìyá-kèré – chefe das mulheres ilaris; é ela quem coroa o rei no ato de sua entronização. A atribuição, mantida, é hoje no candomblé da competência de pais e mães-de-santo que colocam no trono o novo chefe do terreiro nas ocasiões de sucessão.
Muitos outros títulos do candomblé foram tomados de outras cidades e instituições que não a corte de Oió, mas é inescondível a importância da cidade de Xangô na estruturação dos terreiros brasileiros de origem iorubá. De toda sorte, são variadas as adaptações, muitas vezes esvaziando-se o cargo de suas funções originais.
Com o sentido de reforçar a idéia do terreiro de candomblé como sucedâneo da África distante, para legitimar suas estruturas de mando e valorizar sua origem, cargos de tradição africana são recuperados e adaptados com certa liberdade pelos dirigentes brasileiros. Assim surgiram os obás ou mogbás de Xangô, conselho de doze ministros do culto de Xangô, instituído inicialmente no terreiro Axé Opô Afonjá na década de 1930 por sua fundadora Mãe Aninha Obabií, assessorada pelo babalaô Martiniano Eliseu do Bonfim, e depois reinstalado nos mais diferentes terreiros que têm Xangô como patrono. Os obás brasileiros de Xangô têm funções diversas daquelas africanas, mas os nomes dos cargos são referência constante à vida político-administrat iva dos iorubás antigos. Eles são divididos em ministros da direita, com direito a voto, e ministros da esquerda, sem direito a voto. Cada um deles conta com dois substitutos, o otum e o ossi.
O conjunto dos obás da direita criados por mãe Aninha é constituído dos seguintes cargos: Abíódún (nome que designa aquele nascido no dia da festa); Àre (título que se dá a uma pessoa proeminente da corte); Àrólu (o eleito da cidade); Tèla (nome masculino da realeza de Oió); Odofun (cargo da sociedade Ogboni); Kakanfò (título do general do exército). Os da esquerda são: Onankun (pai oficial do obá de Oió); Aressá (título do obá de Aresá); Eleryin (título do obá de Erin); Oni Koyí (título do obá de Ikoyi); Olugbòn (título do obá de Igbon); e Sòrun (chefe do conselho do rei de Oió). Estes nomes designam hoje postos sacerdotais, dignidades religiosas; na África designavam cargos de homens poderosos que controlavam a sociedade ioruba e suas cidades.
Um rei africano era, antes de mais nada, um guerreiro. Guerras, conquistas, povoamento de novas terras, escravidão, descoberta e renascimento, tudo isso faz parte da história de Xangô, rei e guerreiro, como faz parte das memórias de nossa própria civilização de brasileiros. Mas Xangô é mais que história da África e mais que história do Brasil. Seu duplo machado visa a justiça para cada um dos dois lados que se opõem na contenda, suas pedras-de-raio são o santuário guardião das esperanças de tanta gente que padece em conseqüência das mazelas de nossa sociedade: desemprego, falta de oportunidades, incompreensão e dificuldade no trabalho, escassez de meios de sobrevivência, perseguição e disputas insanas, inveja, complicações legais de toda sorte, e tantas outras coisas ruins. Apelar a Xangô, para o devoto, é buscar alento, realimentar esperanças, prover-se de forças para a difícil aventura da vida.
Mas no terreiro em festa, sob o roncar frenético dos tambores, a dança de Xangô não é tão somente demonstração de energia e de força marcial, de cadência e de vitalidade, mas igualmente harmonia, graça e sensualidade. Xangô é duro, mas também se compraz com o bom da vida. O paladar de Xangô lembra as qualidades do bom glutão que não dispensa jamais o prazer da boa mesa, tanto que até nos faz pensar nele como um rei gordo e guloso. Tanto é assim que suas oferendas votivas devem ser sempre servidas em grande quantidade, pois Xangô aprecia que seus súditos comam muito e bem.
Seu prato predileto é o amalá, comida feita à base de quiabo, camarão, pimentas de várias qualidades, e tantos outros condimentos que são verdadeiras iguarias, utilizados pelas filhas-de-santo que muito apreciam e disputam a preparação da comida para os deuses. A comida servida no terreiro serve também para “reunir gente”, e Xangô é o orixá que mais as acolhe, pois toda corte é repleta de súditos e não seria diferente no terreiro, onde há sempre muita gente, muita dança e muita comida.
Além de orixá comilão, Xangô também é o grande amante e teve muitas mulheres como contam seus mitos. Um deles relata que Xangô era um rei poderoso, um dia apareceu em seu reino um grande animal que devorava a todos, homens, mulheres e crianças. Xangô, acompanhado de suas três mulheres resolveu enfrentar o animal monstruoso. Xangô amava suas esposas, mas amava também todos os homens e mulheres que o acercavam, e nada mais natural do que defendê-los de tal criatura. O ser monstruoso rugia e toda a terra tremia. Xangô não quis soldados para vencer o animal. Xangô lançou chamas de sua boca e derrubou o animal matando-o depois num só golpe com seu oxé. Vitorioso, Xangô cantou e dançou, estava feliz. Dali em diante foi ainda mais amado pelos homens e mulheres de seu povo e por todos aqueles que ouviram falar de seu feito.
No Brasil, o aspecto erótico da representação de Xangô foi muito atenuado em comparação a Cuba, onde seus gestos de dança insinuam relações sexuais e seus objetos de forma fálica enfatizam seu gosto pelo sexo. Mas mesmo entre nós é o orixá de muitas esposas. Tantas mulheres e tantas paixões carnais não reforçam e são a confirmação de que a vida pode ser plena das doçuras e gozos do amor? O que queremos dizer é que Xangô não nos remete tão somente aos aspectos sérios, circunspectos e duros dos compromissos do dia-a-dia, mas nos faz lembrar, sim, o tempo todo, que a vida é muito boa para ser vivida, e por isso mesmo temos que lutar por ela sem descanso. É por essa razão que o fiel sempre pede passagem para o rei, gritando para o povo reunido em festa: “Deixai passar, deixar passar Sua Majestade”, “Kaô, kaô Kabiessi”.
IV: As qualidades ou avatares de Xangô
Qualidade é o termo usado no candomblé para designar as múltiplas invocações ou avatares dos orixás, assim como no cristianismo, no caso de Nossa Senhora e Jesus Cristo, as qualidades referem-se a cultos específicos do orixá, em que são invocados aspectos diversos da sua biografia mítica, o que inclui as diferentes idades, as suas lutas e aventuras, sua glorificação e deificação etc.
No candomblé, os orixás dividem-se em vários orixás-qualidade, e se se acredita que cada ser humano, que é considerado filho ou descendente mítico do orixá, origina-se de um dos orixás-qualidade. Essas qualidades procuram dar conta do arquétipo de cada orixá, uma vez que se baseiam em mitos, e é por meio do oráculo do jogo de búzios que o pai ou mãe-de-santo determina de qual delas o filho-de-santo se origina.
Vejamos uma descrição de algumas qualidades que são objeto de diferenciação no culto de Xangô na liturgia de alguns terreiros afro-brasileiros.
Agodô
Sincretizado com São Jerônimo em terreiros onde o sincretismo ainda é observado; é aquele que, ao lançar raios e fogo sobre seu próprio reino, o destrói, como contado no mito apresentado neste trabalho. Gente de Agodô é do tipo guerreira, violenta, brutal, imperiosa, aventureira, amante da ordem e da justiça, mesmo que isso implique numa justiça pautada em seu próprio benefício.
Obacossô
Em sua passagem pela cidade de Cossô, Xangô recebe o nome de Obacossô, ou seja, o rei de Cossô. Conta o mito que, depois de passar pela terra dos tapas, Xangô refugiou-se na cidade de Cossô, mas a dor de haver destruído seu povo, levou o rei a suicidar-se. No momento da morte de Xangô, Iansã chegou ao Orum e, antes que Xangô se tornasse um egum, pediu a Olodumare que o transforme num orixá. Assim Xangô foi feito orixá pelo pedido de sua mulher Iansã. Os filhos de Obacossô são serenos, tiranos, cruéis, agressivos, severos, amorosos, moralistas.
Jacutá
É o senhor do edun-ará, a pedra de raio. Conta o mito que o reino de Jacutá foi atacado por guerreiros de povos distantes, num dia em que seus súditos descansavam e dançam ao som dos tambores. Houve muita correria, muita morte, muitos saques. Jacutá escapou para a montanha seguido de seus conselheiros, donde apreciava o sofrimento de seu povo. Irado, o rei chamou sua mulher Iansã, que, chegando com o vento, levou consigo a tempestade e seus raios. Os raios de Iansã caíram como pedras do céu, causando medo aos invasores, que fugiram em debandada. Mais uma vez, Jacutá fora acudido por Iansã, e mais, sua eterna amante deu-lhe, dessa feita, o poder sobre as pedras de raio, o edun-ará. Gente de Jacutá tem espírito de um velho pensador, justiceiro, incansável, brutal, colérico, impiedoso, preocupado com a causa dos outros.
Afonjá
Patrono de um dos terreiros mais tradicionais e antigos da Bahia, o Axé Opô Afonjá, é o Xangô da casa real de Oió. Nesse avatar Xangô Afonjá é aquele que está sempre em disputa com Ogum. Um dos mitos que relata tal passagem nos conta que Afonjá e Ogum sempre lutaram entre si, ora disputando o amor da mãe, Iemanjá, ora disputando o amor de suas eternas mulheres, Oiá, Oxum e Oba. Lutaram desde o começo de tudo e ainda lutam hoje em dia. No entanto, naquele tempo, ninguém vencia Ogum. Ele era ardiloso, desconfiado, jamais dava as costas a um inimigo. Um dia, Afonjá cansado de tanto perder as batalhas para Ogum, convidou-o para ter com ele nas montanhas. Afonjá sempre apelava para a magia quando se sentia ameaçado e não seria diferente daquela vez. Ao chegar no pé da montanha de pedra, Afonjá lançou seu machado oxé de fazer raio e um grande estrondo se ouviu. Ogum não teve tempo de fugir, foi soterrado pelas pedras de Afonjá. Xangô Afonjá venceu Ogum naquele dia e somente naquele dia. Por essas características que o mito mostra, filhos de Afonjá tem um espírito jovem e sábio, são feiticeiros, libertinos, tirânicos, obstinados, galantes, autoritários, orgulhosos, e adoram uma peleja.
Baru
Conta o mito em que Xangô recebe de Oxalá um cavalo branco como presente. Com o passar do tempo, Oxalá voltou ao reino de Xangô Baru, onde foi aprisionado, passando sete anos num calabouço. Calado no seu sofrimento, Oxalá provocou a infertilidade da terra e das mulheres do reino de Baru. Mas Xangô Baru, com a ajuda dos babalaôs, descobriu seu pai Oxalá preso no calabouço de seu palácio. Naquele dia, ele mesmo e seu povo vestiram-se de branco e pediram perdão ao grande orixá da criação, terminando o ato com muita festa e com o retorno de Oxalá a seu reino. Assim seus descendentes míticos agirão sempre como um jovem desconfiado, ambicioso, elegante, teimoso, hospitaleiro, galante; neste avatar, e somente neste, Xangô surge como um rei humilde e solidário com a causa de seu povo.
Airá
Em alguns terreiros de candomblé cultua-se um grupo de qualidades de Xangô que recebe o nome de Airá. Também se acredita que Airá seja um orixá diferente de Xangô e que participa de alguns de seus mitos. O mais comum é considerar-se Airá como um Xangô branco. Vejamos algumas das subdivisões de Airá.
Airá Intilé
É o filho rebelde de Obatalá. Airá Intilé foi um filho muito difícil, causando dissabores a Obatalá. Um dia, Obatalá juntou-se a Odudua e ambos decidiram pregar uma reprimenda em Intilé. Estava Intilé na casa de uma de suas amantes, quando os dois velhos passaram à porta e levaram seu cavalo branco. Airá Intilé percebeu o roubo e sabedor que dois velhos o haviam levado seu cavalo predileto, saiu no encalço. Na perseguição encontrou Obatalá e tentou enfrentá-lo. O velho não se fez de rogado, gritou com Intilé, exigindo que se prostrasse diante dele e pedisse sua benção. Pela primeira vez Airá Intilé havia se submetido a alguém. Airá tinha sempre ao pescoço colares de contas vermelhas. Foi então que Obatalá desfez os colares de Airá Intilé e alternou as contas encarnadas com as contas brancas de seus próprios colares. Obatalá entregou a Intilé seu novo colar, vermelho e branco. Daquele dia em diante, toda terra saberia que ele era seu filho. E para terminar o mito, Obatalá fez com que Airá Intilé o levasse de volta a seu palácio pelo rio, carregando-o em suas costas. Nesta qualidade, Airá Intilé dá a seu devoto um ar altivo e de sabedoria, prepotente, equilibrado, intelectual, severo, moralista, decidido.
Airá Ibonã
É considerado o pai do fogo, tanto que na maioria dos terreiros, no mês de junho de cada ano, acontece a fogueira de Airá, rito em que Ibonã dança acompanhado de Iansã, pisando as brasas incandescentes. Conta o mito que Ibonã foi criado por Dadá, que o mimava em tudo o que podia. Não havia um só desejo de Ibonã que Dadá não realizasse. Um dia Dadá surpreendeu Ibonã brincando com as brasas do fogão, que não lhe causavam nenhum dano. Desde então, em todas as festas do povoado, lá estava Airá Ibonã, sempre acompanhado de Iansã, dançando e cantando sobre as brasas escaldantes das fogueiras.
Nessa qualidade, os seguidores de Airá têm espírito jovem, perigoso, violento, intolerante, mas são brincalhões, alegres, gostam de dançar e cantar.
Airá Osi
É o eterno companheiro de Oxaguiã. Um dia, passando Oxaguiã pelas terras onde vivia Airá Osi, despertou no jovem grande entusiasmo por seu porte de guerreiro e vencedor de batalhas. Sem que Oxaguiã se desse conta, Airá trocou suas vestes vermelhas pelas brancas dos guerreiros de Oxaguiã, misturando-se aos soldados do rei de Ejibô. No caminho encontraram inimigos ao que Osi, medroso que era, escondeu-se atrás de uma grande pedra. Oxaguiã observava a disputa do alto de um monte, esperando o momento certo de entrar nela, mas, para sua surpresa, percebeu que um de seus soldados estava de cócoras, escondido atrás da pedra. Sorrateiramente Oxaguiã interpelou seu soldado e para sua surpresa deparou-se com Airá que chorava de medo, implorando seu perdão, por haver enganado o grande guerreiro branco. Oxaguiã, por sua bondade e sabedoria, compadeceu-se de Airá Osi. No entanto, como punição pela mentira de Airá, decidiu que naquele mesmo dia o jovem voltaria à sua terra natal vestindo-se de branco e nunca mais usaria o escarlate, devendo dedicar-se a arte da guerra para poder seguir com ele em suas eternas batalhas.
Os filhos de Airá Osi são considerados jovens guerreiros, lutam pelo que querem, mas as vezes deixam-se enganar pela impetuosidade. São calmos, não tidos a trabalhos intelectuais, são amorosos, alegres e sentimentais.
São muitas as invocações ou qualidades de Xangô, que, como vimos, se juntam às outras tantas de Airá. Em diferentes países e regiões da diáspora africana em que a religião dos orixás sobreviveu e prosperou, há diferentes variantes das qualidades dos orixás, pois cada grupo, geograficamente isolado, ao longo do tempo, acabou por selecionar esta ou aquela passagem mítica do orixá. Muitas foram esquecidas, outras ganharam novos significados. Cada qualidade é representada por diferentes cores e outros atributos, de modo que, pelas vestes, contas e ferramentas, ritmos e danças, é possível identificar a qualidade que está sendo festejada, principalmente no barracão de festas dos terreiros. Não só por esses aspectos, mas também pelas oferendas votivas e pelos animais que são sacrificados em favor da divindade.
O culto se multiplica, o poder de Xangô se expande. Faces diferentes para outras faces. Diz um oriki:
Òlò áwá la wulú
Olodó òlò odó
Oyá walé ni ilè Irá
Sangò walé ni Kosó.
Senhor do som do trovão
Senhor do pilão
Oiá desaparece na terra de Irá
Xangô desaparece na terra de Cossô
Xangô de Oió, Xangô de Cossô. Da África e das América. Xangô é um e é muitos, mas, como indica o sentimento dos devotos, essa multiplicidade pode ser reunida numa só pessoa: Xangô. É o mesmo que dizer, nas palavras de pai Pércio de Xangô, babalorixá do Ilê Alaketu Axé Airá: É tudo Xangô.
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Resumo:
Partindo do relato mítico do orixá do trovão na história dos povos iorubás, o texto trata da importância do culto africano de Xangô na formação de ritos e cargos do candomblé instituído no Brasil. Apresenta principais variações rituais inscritas nos avatares do orixá e nos arquétipos de personalidade de seus filhos. Mostra também como muitos postos e títulos usados no candomblé correspondem a adaptações feitas a partir da estrutura administrativa da cidade de Oió, da qual Xangô teria sido um dos primeiros governantes e da qual é o grande patrono.
Reginaldo Prandi:
Professor Titular de Sociologia da Universidade de São Paulo, é autor de Os candomblés de São Paulo (1991), Herdeiras do axé (1996), Mitologia dos orixás (2000), Encantaria brasileira (organizador, 2001), Segredos guardados (2005), e dos infanto-juvenis Os príncipes do destino (2001), Ifá, o Adivinho (2002), Xangô, o Trovão (2003), Oxumarê, o Arco-Íris (2005), Minha querida assombração (2003), entre outros livros.
Armando Vallado:
Mestre e Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, é babalorixá do candomblé Casa das Águas, e autor do livro Iemanjá, a grande mãe africana do Brasil (2002).

cozinha dos orixas

Comida dos Orixás

Xangô

Caruru
Lave e enxugue os quiabos antes
de cortar, para evitar a baba.
Ponha em pouca água para
cozinhar, temperado com camarões
secos descascados e bem moídos,
cebola ralada, coentro,
pimenta-malagueta em pó,
alho e sal. Quando a pasta estiver
enxuta, ponha azeite-de-dendê
e mexa bem.

Sirva em terrina, na qual se
acrescenta um pouco de azeite
quente, na hora de ir para a mesa.
Acompanha: arroz branco ligado.
Xangô, senhor dos raios, é louco por um caruru:
Juntando rabada, o prato passa a ser chamado amalá.
Em Angola, o fruto da palmeira chamava-se dendê
(em língua quimbundo), com a acentuação tônica na primeira sílaba.
Foi no Brasil que a palavra ficou oxítona.

cozinha dos orixas

iansã

Acarajé
Põe-se o feijão fradinho de molho (“até inchar”). Descasca-se grão por grão, tirando o olho preto e passando depois na máquina, o mais fino possível, para sair pasta. Tempera-se com sal e cebola ralada, batendo bem, para ligar, até brotaram bolhas na massa.
Frita-se em azeite-de-dendê bem quente, na frigideira, em formas de bolinhos. Fritos, servem-se com o molho, ambos frios.

Molho de Acarajé
Quatro pimentas-malaguetas . Um quarto de xícara de camarão seco moído. Uma cebola pequena picada. Meia colher (de chá) de sal. Duas colheres (de sopa) de azeite-de-dendê .
Misture tudo, menos o azeite, passando na máquina. Aqueça o azeite e ponha tudo dentro dele para cozinhar.
Corta-se o acarajé no sentido do comprimento e coloca-se dentro o molho.
Iansã é uma das três mulheres de Xangô. Ela come acarajé. E quer sempre muito. Como o acarajé é servido antes das refeições, como aperitivo, em geral exige outro prato também: Abará
É só juntar pimenta, camarão seco moído e azeite-de-dendê à massa do acarajé para fazer abará. Faça bolinhos, junte um camarão seco, embrulhe em folha de bananeira. Cozinham-se os embrulhinhos em banho-maria ou no vapor.
Deve ser servido frio e na própria folha.

preto velho

Linha e Arquétipo dos Pretos Velhos

Por Rodrigo Queiroz

Ditado por Pai João de Angola

O balanço do navio ainda enjoava. Não sei o que mais enojava, se era o balanço do navio ou a visão mórbida de tantos corpos de meus confrades empilhados e já sem vida. Se o mau cheiro e a falta de espaço ou ainda os grilhões que nos prendiam.

Triste sorte, quem são estes animais hominídeos que nos amarravam, batia e subjugava.

Zâmbi estaria revoltado conosco? Ou os Orixás se esqueceram de seu povo?

Pensando assim é que muitos dos nossos não puderam se aproveitar da oportunidade em viver a escravidão. Processo este que se por um lado mancha a história da humanidade, por outro, “lavou a alma” de milhares de espíritos que na carne sentiu o gosto amargo da prestação de contas com o Criador.

Todos sabem que quando os africanos foram escravizados, a Igreja logo tratou de justificar isso, tirando nossa alma, assim fizeram com nossos irmãos indígenas. Claro, é mais fácil arrancar-lhe a alma ao ter que conviver com a consciência.

Não vou aqui estender aos interesses dos colonizadores ou acusa-los. Vou tentar mostrar o lado bom desta sangrenta moeda.

Acontece que na Mãe África as coisas não iam tão bem quanto parece nos contos. Nosso povo era bem desenvolvido, no entanto totalmente dirigido pelo mito, este que ditava nossas diretrizes ou nele é que justificávamos nossos atos. Atos estes nada bons.

É certo que o homem tem necessidade de conquista e expansão. Diferentemente dos índios, nos digladiávamos em busca de riquezas e poderio, o que é pior, justificando como vontade dos Orixás, foi assim que a tribo de Ogum, formado por homens geneticamente mais avantajados pontificou este Orixá como o Senhor das Guerras e da Milícia....

Neste sentido o povo africano estava se distanciando da vida natural ou da conservação da vida, não foi diferente com nossos irmãos ocidentais que jogaram a culpa em Jesus e saíram conquistando terras pela lâmina da espada, bem, mas isso é dívida deles.

Com a escravidão, nós tivemos a oportunidade de nos reconhecer como semelhantes, uma vez que a rincha em tribos era feroz. Subjugados tivemos tempo para pensar em nossos atos, fazer brotar a humildade, simplicidade, resignação e principalmente o amor á vida. Todavia, para os companheiros que chegaram nesta conclusão entendo que cumpriu com o propósito Divino, porém não foi simples assim, muitos outros milhares caíram no ódio, vingança e toda sorte de sentimentos contrários a evolução necessária.

Perdoar o seu algoz talvez seja a chave mais certa para a iluminação!

Sabedoria, eis o que simboliza a Linha dos Pretos Velhos, mas saiba leitor, esta sabedoria só existe pela vivência, por experiência, não se compra não se lê, simplesmente vive.

Humildade, sentimento este simples de entender. Se coloque como parte do meio que você vive. Ao invés de querer ser expoente, ou líder, ou coisa do tipo, procure somar, contribuir para solidificar. Veja o Brasil, a fama da construção deste país recai nos ombros dos Europeus que casa alguma teria erguido sem os braços negros do nosso povo. A meu ver mais vale o que é concreto do que é falácia.

Já no Astral o povo africano que tinha se redimido de seus débitos milenares, e já com a “alma lavada” foi convocado pelos Mestres da Luz a formar a linha de trabalho espiritual em auxílio dos encarnados, surge assim o Grau Preto Velho, onde se assentou os nativos africanos, que pontificava paralelamente com o grau Caboclo, enquanto os índios traziam a jovialidade, determinação e pureza natural, nós contribuiríamos com o culto aos Orixás, bem organizado. Com a experiência do ancião e a mandinga que cura e afasta todo mal.

Desta forma iniciava um entrosamento perfeito e renovado no Astral que sustenta tantos encarnados nas mais variadas religiões.

Assim é o arquétipo da linha dos africanos, baseado no ancião, no simples e sábio.

Estamos à disposição daqueles que apesar do coração oprimido ainda se permite acreditar sem perder a fé e a esperança, levar graça aos desgraçados, amor aos desiludidos.

Mantemos o rótulo do velho arcado, para que assim possamos nos aproximar dos amedrontados, pois se a primeira vista não apresentamos perigo, rapidamente sentam em nosso colo.

Somos os Pais Velhos, Preto Velho, Africano, Saravá o Orixá!

Nota do Autor Físico: Finalizando este texto me lembro de um ponto que traduz esta linha “A Umbanda é linda pra quem sabe trabalhar quem não pode com mandinga não carrega patuá!”

Este relato apresenta claramente o que a escravidão significou para nossos irmãos africanos. Claro que não justifica nada, tampouco deve parecer uma concordância com este tenebroso passado, penso que a lição para nós é simples, pois este Preto Velho tenta nos mostrar que do mais pesado fardo, da mais profunda dor, do mais confuso tumulto é a oportunidade de tirarmos lições capazes de nos colocar em outro patamar evolutivo e amadurecer a alma, o coração.

Pense nisso!

Assentamento:
01 Alguidar cheio de café grão;
01 pedra turmalina negra,
01 pedra ametista;
Fumo em corda;
21 contas de lágrimas de Nsrª;
01 Cachimbo com fumo;
01 vela 7 dias bicolor branco/preto;

01 xícara com café;

01 xícara com vinho tinto;

Incenso de guiné.

Dentro do alguidar, no meio coloque a vela. Do lado direito coloque a Turmalina e do esquerdo a Ametisa, circule com as contas e o pedaço de fumo em corda coloque onde quiser. Tudo isso dentro do alguidas.

Do lado de fora fica as xícaras.

Toda semana acenda ao menos uma vela palito bicolor branco/preto. Na ocasião troque o líquido, pode permanecer no máximo 15 dias.
Sempre que fizer esta firmeza semanal, pegue o cachimbo e dê três baforadas, concentrado nos pedidos e orações.

Oração de assentamento:
“Divino Criador, Divinas Forças Naturais, Divinos Orixás, neste momento vos evoco e peço que imante este assentamento, consagre e o torne um portal por onde os pretos velhos do astral possam se manifestar, servindo de minha proteção e chave de acesso aos africanos de acordo com o meu merecimento. Peço que a força dos africanos esteja presente e receba minhas vibrações.”

Ps.: Este é um assentamento universal para a linha de Preto Velho, que pode ser consagrado a um Preto Velho específico ou deixar aberta de forma universal.
Faça isto com fé e amor, terá ótimos resultados.

Yaô meu Pai!

Fonte: este texto faz parte da apostila que compõe o material de estudos do curso Arquétipos da Umbanda, desenvolvido e ministrado por Rodrigo Queiroz.

BLOG: www.rodrigoqueiroz.blogspot.com